Playlists no YouTube viram negócio lucrativo com venda de lugares nas listas de hits

Playlist do YouTube; lista de clipes é feita pelos próprios usuários do site

Playlists no YouTube viram negócio lucrativo com venda de lugares nas listas de hits
que começou como uma seleção de músicas para uma festa particular, ou outro motivo despretensioso, acabou virando um negócio lucrativo, um novo filão da indústria musical. Com bilhões de acessos, as playlists do YouTube (listas de clipes feitas pelos próprios usuários do site) são um formato cada vez mais popular – entre o público e entre os artistas, que estão de olho nessa fonte de audiência. Músicos sertanejos brasileiros têm pagado para incluir seus vídeos. Querem garantir que suas músicas cheguem a mais ouvintes.


Alguns donos de playlists populares no YouTube no Brasil que vendem posições nas listas dizem que as criaram como usuários comuns, sem saber que, anos depois, elas renderiam dinheiro. Empresários e artistas explicaram como a compra de lugares nas maiores listas, que chegam a centenas de milhares de views, ajuda nas carreiras.
Eles também contam como uma empresa da Romênia que tem dezenas de canais com centenas de playlists em todo o mundo investiu no Brasil. Ela tem listas de diversos estilos e comprou de um usuário brasileiro a playlist de música sertaneja mais acessada no Brasil. O estilo musical é tema das listas mais populares hoje no país.
O Google, dono do YouTube, não tem regras específicas sobre vendas de playlists. Não há leis ou regras no Brasil sobre o assunto. Especialistas defendem que o Google deve explicitar o que é permitido ou não, por questão de transparência, mas admitem a dificuldade de identificar e controlar este comércio paralelo.
Se a prática de pagar para tocar no rádio é chamada no Brasil de jabá, a sua chegada ao YouTube pode ser chamada de “jabá 2.0”. Entenda masi sobre o tema:

1 – Como funciona uma playlist de YouTube?
Qualquer usuário pode criar uma playlist. É só dar um título e incluir vídeos do site. O YouTube gera um endereço para tocar os vídeos na sequência escolhida.
O criador de uma playlist não adiciona novos vídeos ao YouTube – só seleciona clipes existentes, dos quais não precisa ser dono. O criador da lista não ganha nada do YouTube pelos acessos. Pagamentos por anúncios nos clipes e por direitos autorais vão para os donos de cada vídeo.
2 – Quem são esses criadores de playlists sertanejas?
José Gabriel de Azevedo, de 20 anos, de São José do Rio Preto (SP), tinha um objetivo modesto:
Ele foi conferir e viu que sua playlist com hits sertanejos na época, em 2015, já tinha 40 milhões de acessos. Se um clipe entrasse lá, ganharia rapidamente milhares de espectadores. Hoje, a lista soma 140 milhões de visualizações.
Thiago Luiz, de 27 anos, de Toledo (PR), é dono de uma playlist que hoje tem 17 milhões de visualizações. O objetivo inicial era o mesmo. “Fiz por brincadeira, há três anos, para tocar numa festa. As pessoas gostaram e começaram a acessar”, conta.
Adriano da Silva Lucas, de 29 anos, de Cuiabá, queria só fazer mais um post para seu site com listas de temas variados, chamado Top10+. Uma das páginas do site mostrava músicas sertanejas mais tocadas do momento, com uma lista do YouTube incorporada.
“Aí as pessoas começaram a acessar pelo YouTube mesmo. Nem entravam no meu site”, conta Adriano. Até hoje, é a mais mais popular do Brasil para o termo de busca “sertanejo”, com 1,3 bilhão de views. Mas ele vendeu seu canal em 2016 para a empresa romena RedMusic por R$ 30 mil.
3 – Por que as playlists deles são tão acessadas?
Os números acima são exceções em um mar de listas pouco clicadas. É que elas entraram num grupo seleto: dos primeiros lugares dos resultados da busca do YouTube.
O caminho até o topo dos resultados no YouTube passa por três letras: SEO (otimização para ferramentas de busca, ou search engine optimization, na sigla em inglês).
As listas entram lá em cima nos resultados não só porque têm muitos acessos acumulados, mas também porque têm os vídeos, títulos e descrições que a ferramenta automática do Google considera mais relevantes para os usuários.
O Google não divulga número total de buscas. Mas ele tem uma ferramenta (Google Trends) que compara palavras procuradas dentro do YouTube. O termo “sertanejo” é muito mais buscado que o de qualquer estrela do gênero hoje.
Pessoas que entram no site buscando termos gerais como “sertanejo”, “sertanejo universitário” ou “sertanejo para churrasco” formam a enorme audiência das playlists do gênero.
“O título e a descrição têm as palavras que vão ser mais buscadas no momento. Baseado no que as pessoas estão ouvindo”, diz Thiago. Os textos podem ser mudados a qualquer momento. Na “guerra do SEO” pelo topo das buscas, vários já têm “2018” no nome.
“É uma tentativa de entrar em janeiro já com relevância garantida”, explica João Gabriel, que usou a tática de adiantar o “2018”. “Dá impressão que já vai ter as novidades. Para atrair público mesmo”, diz ele. Outros já investem a mais longo prazo, com títulos como “Músicas mais tocadas 2018/2019/2020”.
Tentativa e erro também fazem parte. “Tem outras playlists antigas que criei que ficaram em 200, 300 views, com palavras parecidas. É sorte também”, conta Thiago.
4 – Por que os artistas pagam para entrar?
Entrar em uma grande lista é uma forma de ganhar ouvintes reais – por isso os músicos as procuram. É diferente de fraudar a contagem de views de um clipe com o uso de “robôs” e acessos automatizados.
A história de Édico Antonio Corrêa, 31 anos, o Antony da dupla paranaense Antony e Gabriel, ajuda a entender como o mercado cresceu. Os três criadores de playlists o citam como um dos primeiros cantores a “investir” no formato.
O canal de YouTube na dupla tem hoje 380 milhões de acessos. Eles têm um sucesso nacional atual em parceria com Eduardo Costa, “Velhos vícios”. Desde janeiro de 2017, estão no casting de um grande escritório, Talismã, do cantor Leonardo, e fazem cerca de 15 shows por mês. Uma experiência profissional de Antony fez a diferença: ele vendia roupas pela internet. Gostava de analisar acessos ao site e tentar entender os usuários. Levou isso para a música.
“Acompanhava todo dia o gráfico que mostrava como as pessoas chegavam aos meus vídeos. Vi que começaram a vir de playlist. Pensei em potencializar”, ele conta. Em 2015, entrou em contato com donos de playlists, que segundo ele, ainda não as viam como negócio.
“Eles ainda não sabiam o poder que tinham em mãos. Nem tinham orçamento. Coloquei numas seis, umas duas ou três nem cobraram. Quem cobrou foi pouco. Triplicamos nossos acessos”, ele lembra.

5 – Como funciona a venda?
Os donos não vendem todos os lugares das listas – que costumam ter 100 ou mais faixas. A maior parte precisa ser de músicas populares, que chamem a atenção do ouvinte.
“Tem que equilibrar com relevância, para não cair no ranking de busca”, explica João Gabriel. Adriano completa: “Eu nunca ocupava os três primeiros lugares [com músicas pagas]”.
Eles dizem que, geralmente, artistas menos conhecidos no meio de outros muito famosos são os que pagaram para entrar. Mas que há nomes grandes que pagam. Nesses casos, a posição mais cara é o primeiro clipe da lista.
“[No primeiro lugar] tem que ser um artista bom, para ter aceitação. Eu já coloquei música ruim no topo e a playlist caiu muito de audiência e na busca”, conta João Gabriel. Ele diz que chega a ganhar R$ 7 mil em um mês com ela, mas a renda varia.
“Já cobrei até R$ 3 mil por mês por um clipe no primeiro lugar. Tem gente que cobra muito mais”, afirma.
“Eu cobro, pela primeira posição, R$ 1 mil. É porque não cobro muito”, conta Thiago. Sua maior playlist tem 17 milhões de acessos. “No total, ganho uns R$ 3, 4 mil por mês. Tem mês que dá mais, mas não passa disso”, diz.
João Gabriel inclui também na lista vídeos de sua próprio dupla, com o cantor João Félix, ainda em início de carreira.
Há playlists de outros estilos brasileiros além do sertanejo, mas sem tantos acessos.

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