Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
O país assistiu incrédulo a preparação da greve na magistratura federal, programada para esse 15 de março, pela manutenção do auxílio-moradia de R$ 4 mil reais, que tanta polêmica tem causado nos últimos meses. O cidadão comum, que vive de salário mínimo ou pouco mais, se sente ultrajado com um benefício de tal magnitude – maior do que o ganho inteiro da maioria da população – a profissionais que remunerados com até 30 mil mensais. A greve anunciada é de juízes, mas os beneficiários dessa benesse são muitos servidores públicos de alto escalão também do Executivo e do Legislativo que, pelo senso geral, já que ganham bons salários e deveriam pelo menos arcar com as despesas de ordem pessoal. Além do auxílio moradia oferecido de forma genérica, ainda existem incentivos educacionais para si e filhos, algo que também é duro passar pela garganta do povo que, se não conseguir vaga em escola pública, tem de arcar com os custos de anuidades e materiais educacionais.
A greve, salvo melhor juízo, deve ser o último recurso. Utilizado quando pereceram todas as tentativas de negociação e entendimento. Lamentavelmente, não é isso que tem ocorrido no nosso judiado país, onde se coloca a paralisação como começo de conversa. A dos magistrados, ao que parece, é a primeira grande atitude de uma classe cujo trabalho é de absoluto interesse social e estratégico. Da mesma forma que militares não podem fazer greve, juízes também não poderiam pois, na sua falta, não há quem decida as demandas da sociedade. O mais indicado seria os srs. magistrados agirem da mesma forma que as outras classes de trabalhadores estratégicos. Recorrer à Justiça para dirimir as dúvidas quanto ao direito de receber ou não o auxílio que, por ser genérico, pode ser classificado como complementação salarial. A decisão judicial é soberana e tem o condão de tornar-se parâmetro, eliminando a contenda.
A questão dos ganhos e dos penduricalhos que muitas vezes levam o salário à estratosfera é grave e altamente pertinente, especialmente num momento em que o governo insiste em retardar a aposentadoria dos trabalhadores que ganham baixos salários. Suas excelências, por mais razão que possam ter, não deveriam utilizar a paralisação do trabalho como instrumento de força. A discussão transparente deveria ser o caminho, especialmente por parte daqueles que, pela natureza de função que exercem e pela fé pública que lhes é conferida pela função, têm grande peso na estrutura social do país e devem ser o sustentáculo nos momentos de crise e instabilidade.
O Brasil necessita de ampla redistribuição de rendas. Já existe na legislação o limite de R$ 33 mil mensais – um bom salário – como rendimento máximo do servidor público. Infelizmente, a prática leva ao seu extrapolamento através de brechas descobertas e cultivadas na legislação pátria. É preciso buscar o ponto de equilíbrio e do bom senso para evitar a ampliação do hoje fosso existente entre a sociedade dos cidadãos comuns e a das castas da administração pública. Tem de acabar, especialmente, o constrangimento provocado pela transparência e divulgação dos salários e vantagens tanto dos que ganham pouco (e têm vergonha disso) quanto dos que, além dos elevados salários, dispõem de artifícios que elevam seus ganhos e os tornam questionáveis.