Ritual que expulsa a erva daninha das plantações é uma das festas desta comunidade fundada há mais de 100 anos
A Comunidade dos Arturos retornou com a Festa João do Mato, no último sábado (14) e reviveu o rito agrário que consiste na expulsão da figura toda coberta de mato, símbolo da vegetação daninha que nasce sem ser semeada e que deve ser destruída. A festa tinha sido paralisada em 2013, com o falecimento de Dona Juventina da Silva, que era a rainha da comunidade e ficava à frente da festa.
A comunidade remonta do início do século XX e surgiu com a união de Artur Camilo Silvério e Carmelinda Silva, descendentes de escravos africanos. Atualmente é composta de 50 famílias, com cerca de 600 pessoas. Além de manifestações culturais diversas, a comunidade realiza cultos de datas ancorados nos preceitos religiosos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, desde os idos de 1889.
Segundo João Batista da Luz, integrante do grupo de homens que atualmente coordena a capina e roçado, o ritual da Festa João do Mato também remete ao compromisso de todos limparem o seu terreno até a véspera do dia 24 de dezembro, como um ciclo natalino. “Eu, Bengala, Leontino, José Procópio, Rapadura, Antônio dos Santos e Joel Catarino, somos da mesma faixa de idade e netos do fundador da Comunidade, Artur Camilo”, informou João Batista, com foice em mãos. Segundo ele, além do ato de roçar e capinar espantando a erva daninha personificada em João do Mato, também há o compromisso de capinar para poder receber a Folia de Reis em suas casas.
Nos dias de hoje há mais plantações nos quintais de cada residência, pois os plantios coletivos foram paralisados há 15 a 20 anos. Com as mudanças urbanas no entorno, profissões e no cotidiano das famílias; um fator aliado à distribuição da terra aos descendentes que foram criando família, os Arturos passaram a roçar para a festa os espaços de matinhas preservadas no terreno da comunidade, que fica localizado entre os bairros Alvorada e Europa, em Contagem.
“O fato é que o retorno da Festa João do Mato, embora num sábado – dia em que muitos estavam trabalhando fora – teve boa participação de homens, mulheres, jovens e crianças. Cerca de 100 pessoas, que regozijavam com o ritual que “deu mostras que voltou para ficar”, avaliou o presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, Everton Eustáquio da Silva, conhecido como Tequinho.
Matula para roçar e esperar o almoço
Moças acompanhavam os roçadeiros e roçadeiras com bacias e gamelas de cubu (bolo de fubá assado na fornalha na palha de bananeira), de torresmo e vidros de cachaça com carqueja. O motivo deste alimento reforçado servido era para que todos pudessem capinar bem, já que iniciaram às 7h, e conseguirem esperar a hora do almoço na Casa Mater, da Vó Carmélia. A capina era regada também ao barulho do vai e vem das enxadas e foices nos ramos. Outro som da festa eram as cantigas evocando o labor. Após acabar um eito de capina e roçagem, eles param para cantar, comer e saudar companheiros de outro eito.
Márcio Henrique Silva, conhecido como o Marcinho, motorista da Prefeitura, empunhava a foice, dizendo que estava ensinando aos seus descendentes a participar das festas, “de maneira a manter as tradições aos antepassados”. Uma das músicas que cantou no dia junto aos companheiros teve como estrofe: “…quando eu matar meu boi, o mocotó é meu, para pagar o trabalho que ele me deu”.
Sr. Francisco Romão da Cruz, 84 anos, disse que já capinou e rouçou muito. “Hoje só acompanho os mais novos nesta festa que não pode parar”, disse. Dalvina Maria da Luz, 73 anos, informou que participa desta festa desde criança com o pai, com o avô Artur Camilo e a tia Induca. Ela roçou no sábado e disse que hoje tem até neto roçando com ela. Parou com chapéu e foice na mão e contou lembranças do passado distante.
“Temos que continuar esta festa. Isto tudo aqui me lembra muito meus antepassados e, principalmente, o vô Camilo que fundou esta comunidade. Ele pagou esta terra com dinheiro vivo, angariado quando ia no mercado da Lagoinha” disse Dalvina. Ela contou que Artur Camilo ia a pé vender produtos em surrão levados pelos burros Brinquedo, Desafio e pela mula Moeda. Os produtos eram desde pimenta, mandioca, frango até taboa e marcela para encher travesseiro. “Vô voltava a pé, após dia e meio, trazendo produtos que não eram cultivados aqui. “Muito me lembram estas tabocas”, disse ela, apontando para o terreno com barranco de argila – onde hoje é o campinho de futebol – local em que o avô Artur amarrava os burros para descansarem da ida e vinda à Capital.
Ao final da capina, quando encontram o João do Mato (figura da comunidade irreconhecível), este foi levado em cortejo até o Cruzeiro e, logo após, à Casa Paterna, em frente ao Capitão Mor, Tio Mário, por entre um caminho feito com as ferramentas suspensas ao alto, momento em que é entoada a cantiga de expulsão do João do Mato.
Tio Mário (que é benzedor da comunidade) faz uma proposta e oferece a João do Mato uma prenda em troca de deixar as plantações. Ele aceita o presente e vai embora, mas diz que pode voltar no próximo ano em plantações que foram bem cuidadas. As crianças são chamadas para retirar as folhas e revelar a identidade do João do Mato, até então desconhecida.