Apesar de duas grandes perdas – morreram de covid-19 recente o patriarca e a matriarca da Comunidade Quilombola, Mário Brás da Luz, último filho vivo do fundador de Artur Camilo Silvério, e sua esposa Maria Auxiliadora da Luz, a Dona Dodora -, os Arturos não deixaram de promover a “celebração” da Abolição, com a “Festa de Maio” ou, ainda, “Reinadinho”, como diriam os antepassados, prestando uma homenagem à história da comunidade, da luta do povo negro contra a escravidão e pela valorização e memória dos entes que já se foram. A cerimônia foi reduzida este ano, pela necessidade de preservar a vida dos membros da comunidade, mas marcada pela fé, por orações e pela memória de seus antepassados
É o que explica Jorge Antônio dos Santos, 53, participante do congado dos Arturos desde o “ventre” da mãe. “Nossa comunidade está sujeita a tudo que acontece no mundo. Esta pandemia afetou também a nós e nossas tradições. De toda a nossa festividade da abolição, não estamos realizando nem 40%. Mais importante é preservar a vida do nosso povo”, disse.
José Bonifácio da Luz, 72, também conhecido por “Zé Bengala”, neto de Artur e filho de Dona Conceição Natalícia (Tetana), rainha do Império, disse que os próprios antepassados apontavam a importância de manter a cerimônia viva. “Eles (antepassados) deixaram para nós que mesmo que morressem no dia da festa, era para continuar tocando o tambor”, afirmou.
Zé Bengala lembra que a celebração da Abolição “não é uma festa”, mas uma “tradição” e um momento de “recordação” dos antepassados. “Se a gente não lembrar de onde viemos, a gente acaba”, disse.
Segundo a tradição da comunidade, na “Festa de Maio” são erguidos 15 mastros, mas, neste ano, foram apenas três, simbólicos. Um mastro (São Benedito) foi erguido na Igreja Nossa Senhora do Rosário, outro (Santa Efigênia) no marco da comunidade, um cruzeiro. Por último, foi erguido um mastro (Nossa Senhora do Rosário) na capela dentro da própria comunidade.
Ampliar o acesso à cultura dos quilombolas e preservar as tradições locais são ensinamentos passados de geração para geração, como aponta Zé Bengala. “A comunidade está aberta para receber a todos. É bom que as pessoas vão conhecendo o que é o reinado, o que é a comunidade, isso amplia o alcance da nossa cultura”, ressaltou, lamentando na ocasião a perda do patriarca. A matriarca morreu cinco dias depois.
O patriarca
Símbolo da riqueza cultural do nosso município, Mário Brás da Luz, último filho vivo do fundador de Artur Camilo Silvério, mestre benzedor histórico de Contagem, é a expressão reluzente de uma ancestralidade infindável e que deixa o melhor de si na tradição preservada da comunidade dos Arturos. Fica muita saudade, mas fica a força de uma existência solidária e justa.
O falecimento de um membro tão importante para a comunidade representa a perda de uma memória e de uma raiz para o quilombo, mas sabemos que seus ensinamentos, sua história de luta e dedicação ficarão na comunidade por gerações. Que a fé da comunidade dos Arturos lhes fortaleça para suportar este momento difícil. Seu Mário faleceu no último dia 7, vítima de covid-19.
A matriarca
Maria Auxiliadora da Luz, a Dona Dodora, de 84 anos, faleceu cinco dias depois do marido, Seu Mário, também de Covid-19. Os dois viveram juntos por 65 anos. A filha mais velha do casal permanece internada com Covid-19. Dona Dodora era uma mulher guerreira, forte, amável, e foi para todos uma grande mãe, avó, tia, madrinha e também líder espiritual e rainha do 13 de maio!
Em 2014, a comunidade dos Arturos foi registrada como Patrimônio Imaterial do Estado de Minas Gerais. De acordo com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), a comunidade é responsável pela manutenção de diversos bens culturais, como a Festa do João do Mato, a Festa da Abolição, o conhecimento sobre as plantas, a Folia de Reis, o Congado, as Guardas de Congo e Moçambique e a cozinha tradicional.