Viviane França(*)
Vimos na última semana a modelo Yasmin Brunet, participante do BBB24, ser duramente criticada em rede nacional pelo cantor Rodriguinho, também participante do programa. As críticas foram direcionadas ao seu corpo, chegando nos seus hábitos alimentares.
Yasmin Brunet é branca, loira, modelo, uma beleza dentro do chamado “padrão social”. O cantor Rodriguinho, homem, completamente fora de forma, se sentiu na autoridade de criticá-la. O Porquê? Ela é uma MULHER.
Quem de nós nunca escutou: cuidado com sua saia, a maneira como se senta se vestindo assim. Suas pernas estão à mostra demais. Sua roupa está provocativa. Olha a barriga dela, quanta celulite. Dentre inúmeras outras críticas que tentam impor um comportamento e um corpo ideal a todas nós, mulheres, numa relação direta de restrição com o nosso corpo.
Sem dúvida, essa questão está ligada à estrutura patriarcal e ao longo processo de objetificação do corpo de todas as mulheres. Uma questão clara de gênero. Um problema que atravessa todas nós do ponto de vista político e existencial.
De que maneira, a mulher criada a sujeitar o seu corpo a um padrão de obediência comportamental, castidade, abstenção de prazer, e viver em um mundo que a torna objeto de posse masculina dificulta o respeito, a evolução, a igualdade e a quebra do patriarcado?
A objetificação apresenta duas questões principais: tira da mulher a condição de sujeito, de ser, tornando-a objeto, coisa, e estabelece um ambiente de constantes ameaças à sua integridade, ameaças de violação do seu corpo, sendo o estupro a consolidação real de violação. Assim a objetificação da mulher, estabelece entre as próprias mulheres, como uma resposta involuntária à estrutura patriarcal, uma maneira de se comportar, de agir e de restringir o seu corpo, de moldá-lo aos padrões impostos pela sociedade e pelo capital de como seria um corpo feminino “ideal”, restringindo o que nos é mais caro: a nossa liberdade, e assim, estabelecendo comportamentos de fala, locomoção, fazendo do nosso corpo um instrumento de opressão.
Beauvoir (2016) no livro “O segundo Sexo”, exemplifica essa situação, apresentando um caso em que uma jovem de apenas 13 anos se torna alvo de comentários de um homem a respeito do seu corpo. A Jovem “sente que o corpo lhe escapa, não é mais a expressão clara de sua individualidade” (BEAUVOIR, 2016), ela acaba de ser objetificada, vista como um objeto de prazer, e não como uma pessoa. Beauvoir mostra de forma clara o que todas as mulheres estão sujeitas, mostrando que o patriarcado cria em sua estrutura uma série de ameaças à integridade corporal da mulher, servindo de ferramenta de controle e punição, impondo regras comportamentais e uma “feminilidade” a cada uma de nós.
Em 2021, o Fundo de População das Nações Unidas apresentou no relatório – Meu Corpo Me Pertence – um estudo acerca da autonomia das mulheres, avaliando três aspectos: sexo, métodos contraceptivos e cuidados com a saúde. Entre as entrevistadas estavam mulheres de 57 países. Os dados mostraram que 45% das mulheres não têm autonomia sobre o próprio corpo, não podendo decidir livremente sobre relação sexual com seus parceiros, se querem ou não usar contraceptivos, ou sobre sua saúde, o que envolve atendimento médico.
Como vimos, numa sociedade patriarcal, o mundo age sobre o nosso corpo de muitas formas, tornando-o objeto de repressão a nós, mulheres. A objetificação do nosso corpo estabelece formas de comportamento e padrões que muitas vezes seguimos involuntariamente, como forma de proteção, de não violação. Mais uma barreira que rompemos ou deveríamos romper diariamente. O domínio sobre o nosso corpo mais do que nunca, companheiras, virou símbolo de liberdade, um fato a ser transposto por nós diariamente.
(*) Viviane França: mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.