Viviane França(*)
Mulher, preta, mãe de 4 filhos, avó, liderança comunitária em Contagem, sobrevivente. Órfã de mãe desde 1 ano de idade, Dona Iranilda Alexandre foi abusada sexualmente aos 10 anos de idade, estupro que resultou na sua primeira gravidez, aos 11 anos foi expulsa de casa pelo pai, além de ter sido vítima de violência física e psicológica do seu ex-marido. Ela sobreviveu e, hoje, vive um novo casamento, “sou uma mulher feliz,” me declarou durante nosso café.
Conheci Dona Nilda através da formação do Núcleo Comunitário da Defesa Civil de Contagem, do qual ela participa ativamente. No primeiro ciclo de Formação do Núcleo, entreguei o certificado nas mãos dela, ela chorou nos meus braços, analfabeta, recebeu a certificação do município como uma conquista cheia de significados: conseguiu concluir o curso de formação mesmo não sabendo escrever, se empoderou do tema e hoje multiplica os ensinamentos para as mulheres da sua comunidade.
– Dona Nilda, com quantos anos se casou?
Nilda – 17 anos. Fui mãe novamente com 18 anos. Apanhei muito do “sujeito”. Mas eu aceitava, porque tinha minha filha. No resguardo fiquei grávida de novo. Ele caiu nas drogas e na bebida, segui cuidando da casa e dos filhos, não negava trabalho. Fiquei grávida do último. Chorei muito! Consegui um emprego no aeroporto de Cumbica, trabalhava que nem doida, chegava em casa e apanhava, pois ele achava que eu estava dormindo com o patrão.
Já troquei faxina por alimento: um saco de pão dormido, dois litros de leite e um pacote de arroz.
Um dia o “sujeito” chegou em casa me deu um coro, mas um coro que eu vou te contar. Eu tava cozinhando macarrão na hora. Aquilo me subiu uma ojeriza, um nervoso. Não podia ser. Eu trabalhava tanto, lutava tanto pra criar meus filhos, chegar em casa e ainda apanhar. Do jeito que eu tava com a panela eu taquei nele a água fervendo. Aí comecei a chorar porque a dona do imóvel me pediu a casa alugada pela confusão. Foi uma tristeza. Ele foi pro antigo hospital JK e eu o acompanhei. O médico viu que tinha sido um caso de briga, mas não me denunciou, mandou eu largar dele. Mas como que eu largava? Ele dormia na porta do meu serviço, e eu tinha que trabalhar, cuidar dos meus filhos e ele não trabalhava, me ameaçava, me perseguia.
– Como você reconstruiu sua vida?
Nilda – Arrumei 6 faxinas na semana, 1 por dia. Aí fui arrumando o barraco que morávamos em Nova Contagem, um pouco de tijolos e em cima só com lona ainda era o lugar. Um dia estava preparando o almoço, picando um frango, quando ele veio me bater, para me defender acertei ele com a faca. Ele me denunciou. Sai com meus filhos de casa, denunciei a agressão física e consegui uma ordem judicial para ele sair de casa. Neste momento comecei a erguer minha vida.
– Você já tinha quantos anos?
Nilda – Uns 28. Aí que eu comecei a viver de verdade né. Trabalhava demais. Comecei a dançar…
– E hoje como está essa mulher sobrevivente?
Nilda – Casei tem 8 anos. Ele é bom, esse marido. O que eu passei não desejo pra mulher nenhuma… e aconselho a elas, manda embora, denunciem.
Muitas mulheres ainda sofrem com a violência, com sua história, qual o recado que você deixa para as mulheres que sofrem violência doméstica?
Nilda – Denunciar! Qualquer ato de violência, denuncie, pede ajuda, a gente não é cachorro!
Acabamos a entrevista muito emocionadas. Dona Nilda é um exemplo de sobrevivência, de força, de coragem e superação. O filho, fruto da violência sexual, faleceu com 9 meses por um problema respiratório, Dona Nilda estava com 12 anos de idade na data de sua morte. Ela recorda dele durante toda a nossa conversa. O abraço que nos damos é de acolhimento, a história dela é a história de muitas mulheres brasileiras.
(*) Viviane França: mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.