Viviane França(*)
Relação sexual deve ser consentida do início ao fim, segundo decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Mas já não era assim? Alguém pode perguntar. Não. As brechas na lei deixam a caracterização do ato violento para a subjetividade de cada juiz.
Na última semana o STJ tomou uma decisão importante para todas as mulheres. Nas relações sexuais, a concordância da vítima deverá ser integral e assim perdurar durante toda a relação sexual, sob pena de se configurar o crime de estupro.
A decisão foi proferida em um caso específico. Um grupo de 12 mulheres denunciou um homem, de nome Gabriel. Ele foi condenado em uma das 12 acusações: a relação sexual começou consentida, mas, depois de pedir para que Gabriel interrompesse o ato, ele prosseguiu.
Gabriel foi condenado em primeira instância, a sentença foi anulada em segunda instância. O Ministério Público recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e por 3 votos a 2, a condenação do réu foi mantida.
No voto que abriu a sessão, o desembargador Sebastião Reis se pronunciou da seguinte forma: “a violência ficou configurada pelo uso de força física para vencer a resistência da vítima, apresentada por meio de seu dissenso explícito e reiterado para com a relação. Nesse ponto, o dissenso é fundamental para caracterização do delito”.
A decisão do STJ é histórica e mostra uma perspectiva de avanço na análise dos crimes de estupro, já que a lei brasileira hoje estabelece que para que se configure o crime é necessário violência contra a vítima, ou a comprovação de grave ameaça, o que colabora com a impunidade de inúmeros casos levados à justiça.
Diante dessa decisão inédita, abre-se o precedente segundo o qual não é necessário que as mulheres comprovem violência física ou a grave ameaça para que se caracterize o crime de estupro. Ou seja: o fato da vítima não agir ferozmente contra o estuprador não descaracteriza o crime. Pela mesma razão, o fato dela ter se submetido ao ato depois de verbalizar a sua negativa em prosseguir não descaracteriza o delito, uma vez que a passividade não é incomum diante desse crime que aterroriza psicologicamente as mulheres. Assim, segundo o julgado basta que verbalize a sua negativa no ato, ou ainda que iniciada a relação ela não queira mais continuar. Depois do não, qualquer ato sexual é caracterizado estupro. Em outras palavras: a máxima “não é não” começa a se mover de uma bandeira de luta para uma conquista real.
O relator do caso ainda ressalta que o fato da vítima mandar mensagens ou fazer qualquer contato com o agressor depois do delito não descaracteriza o crime. Pois tratam-se de mecanismos que apenas tentam “diminuir o peso errôneo da culpa”. Um avanço importante já que as mulheres agredidas se culpabilizam.
Se esse pensamento fosse um imperativo para a caracterização do crime já se configuraria o estupro quando, historicamente, mulheres são violentadas por seus maridos ou companheiros dentro dos seus lares, porque mesmo não consentindo, se submetem, achando que é um dever da mulher casada se relacionar sexualmente.
Nesse cenário, a palavra da vítima ganha força no conjunto probatória em um crime que é extremamente invasivo e constrangedor para todas as mulheres.
A decisão é revolucionária e enfrenta o viés machista e desatualizado nesses tipos de crime, inclusive manifestado em muitas decisões retrógradas dos diversos tribunais do Brasil.
Sem dúvida um avanço na luta das mulheres, um avanço na liberdade sexual de cada uma de nós. Seguimos atentas e fortes.
(*)Viviane França: mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.