Moradores do bairro Nascentes Imperiais, de Contagem, estão inseguros com a falta de informações sobre possível processo de desapropriações para a construção do Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na quarta-feira, dia 18, no próprio município, famílias instaladas há décadas na localidade se queixaram da falta de diálogo por parte do Governo do Estado e manifestaram o temor de perder suas casas e, ainda pior, sem nem mesmo terem direito a indenização.
Presidente da Câmara Municipal de Contagem, o vereador Alex Chiodi ressaltou que as famílias não sabem o traçado do Rodoanel, quais casas seriam removidas, se o bairro todo seria afetado ou só uma parte e como seriam as desapropriações.
Segundo ele, a grande demanda é pela regularização fundiária na região, já que grande parte das moradias não estão com a documentação em dia. “Assim, o Estado não pagaria indenização para os moradores, que não teriam condição de ir para lugar nenhum e perderiam sua história”, advertiu.
Para a moradora Sônia Damásio, a obra vai afetar toda Contagem, impactando o meio ambiente, a segurança hídria e, agora, as famílias. “Batalhamos para estar aqui, nossa vida está aqui e queremos ficar. Precisamos mostrar o que está acontecendo, já que o governo não nos escutou”, afirmou.
Também morador do bairro, Valdir Pontes disse que o Executivo estadual segue a mesma política federal de “passar a boiada”, em referência à famigerada fala do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, quando aprova a mineração na Serra do Curral e a construção do Rodoanel. “Não vamos aceitar que arranquem as nossas casas com migalhas de indenização, queremos nosso direito à moradia. O que está por trás é a lógica do lucro. Não basta as tragédias de Mariana (Região Central) e Brumadinho (RMBH), parece que pobre não serve para nada”, desabafou.
Cristina Maria, ativista do Movimento SOS Vargem das Flores, lembrou que Contagem já é cortada pelas BRs 381 e 040, sendo o Rodoanel mais um elemento para dividi-la. Ela também questionou a alardeada contribuição para a mobilidade urbana que o empreendimento traria, os gastos previstos com pedágio e o impacto para mananciais de água na RMBH e comunidade tradicionais que serão afetadas.
A preocupação com o abastecimento da Região Metropolitana também foi abordada pela subsecretária de Planejamento Urbano e Ordenamento Territorial de Contagem, Luciane Carvalho. O traçado do projeto do Rodoanel corta um dos maiores reservatórios de água da RMBH, a Bacia de Vargem das Flores. “O traçado corta vários terrenos da bacia, matas inteiras, impactando também áreas de recarga do reservatório. O Estado está usando recursos oriundos de um dano socioambiental para causar outro”, pontuou.
A obra, orçada em R$ 5 bilhões, receberá R$ 3 bilhões do acordo firmado pela mineradora Vale com o Estado, como compensação pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019.
Direitos fundamentais
Assessor da diretoria de Promoção de Política Habitacional da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Wesley Silva procurou tranquilizar os moradores do Nascentes Imperiais. Ele disse compreender o medo que as pessoas estão sentindo de perder suas casas, mas garantiu que o Departamento de Habitação do governo está acompanhando todo o processo e que lutará para garantir todos os direitos fundamentais, como à moradia, de quem porventura for afetado.
O representante da Sedese ponderou que mudanças são difíceis, exigem readequações, mas que muitas vezes vêm para gerar desenvolvimento. Ainda afirmou que vai levar as demandas dos participantes da audiência à secretária Elizabeth Jucá.
Geraldo Campos, presidente da Associação dos Moradores do Nascentes Imperiais, também buscou acalmar os ânimos. Ele contou ter recebido a visita do secretário de Estado de Infraestrutura e Mobilidade, Fernando Marcato, que, por sua vez, teria acertado de voltar ao bairro no próximo mês, com uma equipe técnica, para tirar todas as dúvidas da comunidade.
A defensora pública Cleide Nepomuceno orientou os presentes quanto aos seus direitos em caso de remoção forçada das famílias. Primeiro, explicou, precisam ser apresentadas as justificativas para as desapropriações. Depois, o Estado deve ofertar alternativa de reassentamento a cada cidadão e, para os que não quiserem, é assegurada prévia e justa indenização, independentemente de possuírem registros dos imóveis. Para os que precisarem aguardar para serem reassentados, deve ser pago aluguel, com previsão de reajuste periódico.
Deputadas repudiam postura do governo
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e autora do requerimento para a audiência, a deputada Andréia de Jesus (PT) criticou a falta de disposição do governo para o diálogo com os moradores, exemplificada pelo fato de não ter enviado à reunião ninguém para explicar o projeto do Rodoanel e as pretensões do Executivo.
“Um empreendimento que venha a apagar um bairro não se justifica. O governo pretende passar o trator por cima de casas, histórias, memórias. O Rodoanel já nasce sujo de sangue e contrário à vontade do povo”, afirmou.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) salientou que, antes mesmo de se chegar à questão do processo indenizatório pela remoção de famílias, é preciso discutir se os mineiros precisam mesmo do Rodoanel, a quem ele interessa. “O Rodoanel é desnecessário, não vale sacrificar a vida das pessoas em benefícios das mineradoras”, concluiu.