A palhaçada na campanha

Gaudêncio Torquato – Jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

Os climas político-eleitorais puxam bordões, refrãos, chavões e abordagens, todos centrados na ideia de dar respostas satisfatórias às demandas sociais. Bengala de apoio a candidatos e partidos, as receitas procuram chamar a atenção dos eleitores, razão pela qual se esforçam para apresentar um diferencial na expressão.

São frequentes, no desfile dos modismos, formas extravagantes de apresentação, trejeitos, esquisitices e coisas obtusas. Costuma-se designar esse território de dandismo, significando o “prazer de espantar”. Dândis praticam a arte de surpreender.  O mestre Baudelaire dizia: “creio que existe na ação política certa dose de provocação, por ser preciso suscitar uma reação”. Os dândis querem provocar, criar impacto. E, não raro, caem no exagero, fazendo da estética sua ação política.

Lembrando o passado: Lula desfilou com um isopor na cabeça quando descansava numa praia baiana; Fernando Henrique, em 1994, montou num cavalo no interior de Pernambuco e se esbaldou comendo buchada de bode. Quando senador, Suplicy desfilou nos corredores do Senado com um curto short vermelho oferecido a ele por Sabrina Sato. Quem não se lembra das palhaçadas de campanha de Tiririca?

A campanha deste ano, na esteira da profunda crise que afasta o eleitorado da política, será um prato cheio para os dândis. Que pretendem criar um diferencial de imagem. Os excessos serão tolerados, aceitos ou menosprezados pelos eleitores? É possível que, face à indignação que permeia os grupamentos sociais, contrariados com os escândalos e denúncias que queimam os últimos estoques de imagem dos políticos, alguns prefiram votar no macaco Tião ou na macaca Chita. Mas a hipótese mais razoável é a de que, nesse ano, o eleitor não quer perder seu voto.

A tendência será a de escolher o candidato que tenha algo novo a dizer, coisas críveis e factíveis. O copo do desprezo aos políticos está transbordando. Já não se aceitam promessas mirabolantes, propostas absurdas ou as ideias emboloradas do passado. A estripulia circense está, portanto, com os dias contados. O desejo do eleitor, pela média de vontades extraídas de pesquisas, aponta para perfis não contaminados com o vírus da mesmice, gente nova – não apenas na idade – que possa agregar sua experiência profissional ao campo devastado da política.

Aparecer a qualquer custo, participar de uma encenação farsesca, caprichar nos exageros seriam, pois, atos desprezados pelos conjuntos eleitorais. Por outro lado, o tempo de mídia eleitoral será muito curto, de forma a evitar o tradicional dandismo com que somos brindados (ou agredidos?) em época de campanha. O nivelamento por baixo é costume antigo, mas desta feita, não tem condição de prosperar. Mesmo sabendo que a planilha de candidaturas deverá abrigar elevado grupo de incultos e bárbaros.

Mas haverá espaço para a brabeza, palavras duras, críticas severas, murros na mesa. Quem conterá, por exemplo, o estilo altissonante de Ciro Gomes? Não se espere por uma palavra doce de Bolsonaro. A índole pacífica de Geraldo Alckmin deverá, nas curvas da campanha, deslizar para uma tirada mais raivosa. E mesmo o jeito de freira de Marina Silva pode ceder lugar ao modo guerreiro de Joana D´Arc. E se Lula conseguir ser candidato, quem sabe, poderá aparecer carregando uma cruz. Luis XIV costumava lembrar que “os povos gostam do espetáculo; através dele, dominamos seu espírito e seu coração”.

 

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