Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) – aspomilpm@terra.com.br
Aqueles que esperavam o primeiro cadáver importante dentro da crise política e de segurança vivida pelo país, já o têm. Até mais de um pois, além da vereadora do Rio de Janeiro – que ao lado do mandato possuía militância em áreas altamente sensíveis da sociedade – ainda há o do seu motorista, este igual a tantos outros trabalhadores mortos no dia-a-dia brasileiro, mas hoje diferenciado dos demais por ter perecido na mesma emboscada que vitimou a parlamentar. Marielle Franco é, sem dúvida, vítima dos males que há muito tempo acometem o país – desagregação social, corrupção, impunidade, demagogia e legislação leniente – e da sua corajosa opção de desfraldar a bandeira e enfrentar tudo isso de peito aberto. É prematuro dizer sobre a autoria, mas as autoridades de segurança têm o dever de identificar os matadores e envolvidos para entregá-los à Justiça, sejam eles criminosos comuns, pistoleiros a serviço do mundo político, membros de facções, milicianos ou até mesmo policiais.
Enquanto a família evita especular sobre autoria, oportunistas de todos os matizes se movimentam produzindo manifestações e hipóteses quando deveriam, sensatamente, apenas exigir que as autoridades cumpram sua obrigação. Independente de quem tenha praticado essa atrocidade, existem problemas que, se não tiveram relação direta com o crime, são determinantes do quadro geral em que ocorreu. Todos os que de alguma forma se mobilizaram no episódio precisam agora ter a consciência de que não basta participar de passeatas, discursos e acusações de corpo presente e depois de alguns dias esquecer tudo, como já presenciamos nos casos de outros cadáveres produzidos por problemas políticos, sociais e estruturais em diferentes épocas da vida nacional.
O momento é de dor. Politizar o acontecimento e, principalmente, dele tirar dividendos eleitorais, é atitude canalha. Independente de sua atuação política, crenças e ações, Marielle era uma brasileira útil, ativa e destemida. Seu sangue, infelizmente derramado, não pode servir de combustível eleitoral e nem irrigar grupos desagregadores da sociedade. Por respeito, seu sacrifício só pode e deve servir de alavanca para o combate às desigualdades sociais, à desídia e incompetência da autoridade constituída e até de ferramenta à reforma da Constituição que, com seu texto de direitos sem deveres correspondentes, ensejou o lançamento ladeira abaixo do país e da sociedade.
Será um desperdício se os corpos de Marielle e do seu motorista se transformarem em bandeiras políticas ou eleitoreiras. O justo será a sociedade manter-se mobilizada para que a morte de ambos, não seja em vão e ,em vez de eleger ou favorecer partidos ou instituições, sirva para exigir medidas concretas que evitem o massacre de milhares de brasileiros (a maioria anônimos) que o crime e as iniquidades sociais assassinam diariamente em todos os quadrantes do território nacional.