O machismo estrutural que afeta as mulheres
Por Viviane França(*)
“Mais amor não dos homens mas de nós mesmas e umas das outras.”
O Poema da Rupi Kaur, extraído do livro “O que o sol faz com as flores”, escrito pela autora no ano de 2017, reflete uma realidade estarrecedora também documentada por dados divulgados na última semana pela ONU: o machismo estrutural que afeta as mulheres, trazendo destaque para o quanto ainda precisamos avançar no tema igualdade de gênero – sobretudo entre nós mesmas.
A pesquisa, divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), foi realizada em 80 países, sendo o Brasil o único de língua portuguesa a participar deste estudo e, abrange aproximadamente 85% da população mundial. Os dados mostram que quase 90% dos entrevistados, manifestam algum tipo de preconceito contra as mulheres.
A ONU analisou quatro indicadores: integridade física, educacional, política e econômica.
No que se refere a integridade física, no Brasil 75% dos (homens e mulheres) entrevistados, acreditam que existe uma justificativa para uma mulher ser agredida pelo seu companheiro.
Em relação a liderança e ao protagonismo político, 49% da população mundial respondeu que homens são melhores líderes políticos do que as mulheres.
Apesar dos progressos apresentados em alguns aspectos (como a educação, por exemplo), desde 1994 os índices globais de igualdade de gênero não apresentam avanços demonstrando um grande preconceito social em relação ao papel das mulheres na sociedade, na economia e no exercício da autonomia. Uma constatação é de que todos os desafios que enfrentamos para ocupar espaços (e quando os ocupamos) não estão ligados apenas às conjunturas; são desafios que são determinados pela estrutura da sociedade, profundamente desigual, moldado por e para homens.
O que chama a atenção ainda é a equalização dos entrevistados (mesmo percentual) em relação a homens e mulheres, destacando o quanto as mulheres compactuam com as práticas e opiniões machistas. Oprimidas pelo patriarcado e reproduzindo o discurso dos opressores, muitas mulheres que, como nós, sofrem violência e preconceito se colocam como forças auxiliares dos homens na reprodução do machismo, por vezes cometendo atos tão ou mais violentos com declarado na pesquisa. Para com esse machismo ainda não estamos preparadas para lidar.
A legislação e os direitos das mulheres avançam rumo a igualdade em relação aos homens, mas as atitudes e o pensamento social não, o que reflete um conservadorismo social no que tange aos papéis exercidos por mulheres agora quantificados pela ONU.
A violência de gênero em todos os seus desdobramentos (física, política, psicológica, patrimonial, moral) é legitimada e assim naturalizada pela sociedade, inclusive pelas próprias mulheres. Os métodos são atualizados todos os dias: da chibatada em praça pública, à cassação de mandatos eletivos, aos ataques de ódio nas redes sociais, às nomenclaturas depreciativas da nossa imagem e do nosso corpo, à referência ao nosso modo de vestir (loucas do chilique, destemperadas).
Como lidar com tudo isso?
Sem dúvida que a direção é quebrarmos nossas próprias barreiras, desafinar o coro dos contentes e enfrentarmos as violências, o que ainda não estamos acostumadas a fazer, e tratá-las como elas são: VIOLÊNCIAS. Pelo combate diário ao discurso de ódio, e pela informação. Não apenas ocupar espaços de poder e decisão, mas qualificar a ocupação desses espaços com o enfrentamento ao machismo seja ele de homens ou de mulheres, um exercício de educação e respeito cotidianos.
Por isso, mulheres, “mais amor de nós mesmas e uma das outras”. Somente assim é que conseguiremos enfrentar a estrutura machista, misógina e patriarcal, pela alteridade de umas com as outras.
(*) Mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.